A organização da sociedade civil moçambicana, Centro de Integridade Pública-CIP irá recorrer ao Tribunal Administrativo para conseguir ter acesso aos relatórios e pareceres da Comissão Técnico-científica depois de ter tentado sem sucesso obter esta informação por parte governo que a justificou como “Segredo de Estado”.
O Centro de Integridade Pública escreveu no dia 09 de Fevereiro de 2021 à Presidência da República e ao Ministério da Saúde a solicitar o acesso aos pareceres da Comissão Técnico-Científica para consulta, com o objetivo de compreender as causas que levaram o Governo a decidir pelo abrandamento/relaxamento das medidas de prevenção contra a propagação da Covid-19, nas véspera das celebrações alusivas ao Natal e ao final de ano.
Entretanto, no dia 05 de Março de 2021, a Presidência da República respondeu negativamente ao pedido da organização, com a alegação de que a produção da Comissão Técnico Científica é “informação classificada”, especificamente, “segredo do Estado”.
O Centro de Integridade Pública discorda da decisão do Governo de classificar pareceres da Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia de Covid-19 de “informação classificada”, especificamente “Segredo do Estado”.
O CIP entende que a matéria tratada pela Comissão é de interesse público e não representa qualquer ameaça à segurança do Estado, pelo que não pode ser de uso restrito dos membros do Governo, principalmente pelo contexto de calamidade pública resultante da propagação da Covid-19, que exige acção consciente do cidadão no cumprimento das medidas de prevenção. Havendo informação técnico-científica que possa ser catalogada de “classificada”, a mesma certamente não é sobre a prevenção da Covid-19 no país.
A organização entende que a recusa do Governo em partilhar as decisões dos pareceres da Comissão Técnico-Científica inibe a monitoria social e é um pretexto para a não prestação de contas ao cidadão sobre as decisões que o Governo tem estado a tomar no âmbito da gestão da pandemia.
O CIP defende que a produção técnico-científica da Comissão deve ser publicada em Boletim da República para o consumo público de todos os moçambicanos, uma vez que a responsabilidade de prevenir a propagação da Covid-19 é de todos e de cada um dos moçambicanos. Neste caso, uma comissão técnico-científica isenta de decisões politicas, está em melhor posição para produzir informação mais útil ao cidadão no âmbito da prevenção da pandemia. A catalogação de informação de interesse público como Segredo do Estado deve ser fundamentada.
Na carta enviada ao CIP, a presidência da República não fez esta fundamentação. Igualmente, a Resolução que cria a Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia de Covid19 não determinou que a informação a ser produzida pelo órgão devia ser considerada como classificada.
É nestes termos que pelo menos dois membros da Comissão já comentaram publicamente sobre algumas deliberações do órgão sem que sejam acusados de tornar pública informação classificada. Para além da já referida carta da autoria do Doutor Hélder Martins, outro membro da Comissão, Doutor Avertino Barreto, Epidemiologista, concedeu entrevista à STV Notícias na qual, embora tenha frisado que não falava na qualidade de membro da Comissão Técnico-científica da Covid-19, falou de aspectos técnicos da pandemia
Face ao exposto, o CIP vai recorrer ao Tribunal Administrativo, nos termos da Lei do Direito à Informação, para solicitar que se ordene à Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia de Covid19 a permitir o acesso público aos relatórios e pareceres em questão
Importa realçar que, a presidência remeteu ao Decreto n.° 84/2018, de 26 de Dezembro, que estabelece o Sistema Nacional de Arquivos do Estado. O Decreto define “assuntos de caráter técnico-científico de alto interesse nacional” como “Segredo do Estado”.
Assim sendo, a Presidência da República entende que os pareceres da Comissão Técnico-Científica se enquadram nesta categoria e por isso não devem ser partilhados com o público. Segundo o CIP seria, no entanto, importante explicar com detalhe os motivos que conduzem a catalogação dos pareceres da comissão como “informação classificada”, sendo que a mesma depois se reflecte nas decisões a serem tomadas pelo Governo e que se repercutem na vida individual e colectiva dos cidadãos, de forma directa.
De realçar que, a Comissão Técnico-Científica foi criada pelo Conselho de Ministros pela Resolução n. ° 20/2020, de 25 de Março, como órgão de consulta e assessoria técnica ao Governo. É composta por 13 membros, na sua maioria médicos especialistas de diversas áreas, ainda por um jurista, um economista e uma socióloga.
À comissão foram atribuídas as tarefas de efectuar a análise situacional contínua da pandemia da COVID-19, assegurar a assessoria científica e técnica coordenada ao Governo, aconselhar ao Governo, na base científica, das acções e medidas de saúde pública e de Comunicação social, rever e desenvolver estratégias de prevenção, comunicação social e resposta a nível nacional, provincial e distrital, e aconselhar sobre potenciais soluções técnicas e cientificas para incrementar a eficiência da prevenção e resposta.
Desde a sua criação, a aproximadamente um ano, o trabalho da Comissão manteve-se fora do escrutínio público. De acordo com o CIP, a situação mudou quando nas vésperas das festas do Natal de 2020 e do Ano Novo, o Governo decidiu “relaxar” as medidas de restrições contra a propagação da Covid-19, num contexto em que os países vizinhos eram atingidos por uma nova vaga de infecções, levando a novos confinamentos.
“A sociedade começou a questionar qual era, afinal, o papel da Comissão Técnico-Científica criada pelo Governo para aconselhamento em matéria de COVID-19. O questionamento público do papel da Comissão Técnico-Científica subiu de tom em Janeiro do ano corrente, quando se revelaram os resultados das medidas tomadas pelo Governo em Dezembro findo, com o registo de uma segunda, e a pior, vaga de infecções em Moçambique”, diz o CIP.
Num período de um mês após esta decisão, segundo dados do MISAU, o número de infecções aumentou em mais de 400%, de 1652 para 8341.Os novos internamentos aumentaram em mais de 300%, passando de 161 para 646 e as mortes subiram drasticamente de 33 para 158 devido a Covid-19, levando ao esgotamento de camas para internamentos hospitalares no sector privado e cerca de 80% de ocupações das camas nos hospitais públicos.
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