Através de uma nota oficial de 9 de Novembro do ano passado (2020), a vice-ministra da Saúde, Lídia de Fátima da Graça Cardoso, ordenou que fossem retirados e incinerados “no mais curto espaço de tempo” milhares de materiais fora do prazo para se “ganhar mais espaço no armazém”. Entretanto, o Centro de Integridade Pública-CIP critica esta acção, o que considerou custo de negligência e impunidade
A organização diz que, enquanto escasseiam materiais nos hospitais e centros de saúde, num país com um sector da saúde altamente dependente de doações, o Ministério da Saúde (MISAU) deu-se ao luxo de mandar incinerar diversos artigos médicos, avaliados em cerca de 20 milhões de meticais.
“A existência de produtos fora de prazo e em desuso, no armazém do Centro de Abastecimento, em Maputo, é um claro indício de que os processos de planificação e distribuição de artigos ou materiais sanitários são deficientes. Esta situação gera sempre crises de ruptura de stocks nos hospitais e Centros de saúde nas províncias e nos distritos enquanto estes insumos se encontram armazenados em Maputo”, avança a organização de integridade pública.
Não há evidências de que algum dirigente tenha sido responsabilizado por esta negligência que causou prejuízos ao Estado.
Consta que, através da Nota nº1176/043/CA/2020, de 14 de Outubro de 2020, a chefe do Departamento da Logística do Centro de Abastecimento, Lyawane Clara S. Langa Chin, enviou à vice-ministra da Saúde uma “lista de materiais fora do prazo, fora do uso e devolvidos ao Centro de Abastecimentos do Departamento de Logística”, sobre a qual a vice-ministra exarou, a 9 de Novembro, um despacho recomendando ao Secretário Permanente para coordenar, com a Direcção de Administração e Finanças e com o Centro de Abastecimento, o “abate” de todos os materiais fora do prazo com a alegacão de que se deve ganhar espaço nos armazéns.
No dia 21 de Outubro, Lyawane Clara Langa Chin emitiu uma outra nota com o nº1240/043/CA/2020, intitulada “Lista do material fora do prazo e em desuso para a incineração e/ou abate”. Nessa nota, a chefe do Departamento da Logística informou ao Director Nacional de Administração e Finanças, António Mulhovo, que “há itens fora do prazo e outros em desuso nos programas da Direcção Nacional da Assistência Médica e da Direcção Nacional da Saúde Pública”. Para o efeito, anexa a lista de todos os artigos fora do prazo ou em desuso. A lista é resultado do inventário de bens realizado pelo Centro de Abastecimentos do Departamento de Logística com vista a apurar as “quantidades, validade e rotatividade do material armazenado”.
São milhões de materiais com prazos expirados e em desusos dos programas da Direcção Nacional da Assistência Medica e da Direcção Nacional da Saúde Pública que foram incinerados nos três armazéns, todos localizados na cidade de Maputo. Os materiais foram todos adquiridos através do orçamento do Estado e não provenientes de doações. A organização constatou que grande parte dos materiais teve o prazo expirado no Armazém 1, na cidade de Maputo.
Estes artigos, cujos prazos expiraram no Armazém 1, estão avaliados em 18.900.747,58 (dezoito milhões e novecentos mil e setecentos e quarenta e sete meticais e cinquenta e oito centavos). A título de exemplo, ao material fora do prazo nos armazéns 1,2 e 3 mostram que se encontram fora de prazo, no Armazém nº1, em Maputo, 36.722 rolos de esterilização de diversos tamanhos, avaliados em mais de 13.2 milhões de Meticais.
No mesmo armazém expiraram os prazos 50 mil tubos endotraqueal nº 9 que custaram ao Estado 2.08 milhões de Meticais. Igualmente foram retirados pelas mesmas razões 342.800 braceletes, das quais 310 mil para adultos e 32.800 para crianças, o que correspondente a um prejuízo avaliado em 1.6 milhões de Meticais. Regista-se ainda a retirada de 34.650 cânulas de aspiração intra uterina, de diversos tamanhos, e 4.150 sondas de aspiração nº 7.
As cânulas estão avaliadas em 324.2 mil Meticais, enquanto as sondas custaram ao Estado 41 mil Meticais. Expiraram o prazo, ainda, 700.800 seringas desc.1ml, avaliadas em 981.1 mil meticais, e outras 3505 de AMU (aspiração uterina), no valor de 385.3 mil meticais. Ou seja, no total, 704.305 seringas foram retiradas do armazém por se encontrarem com prazos expirados, um prejuízo ao Estado no valor de 1.4 milhão de meticais.
O CIP avança ainda que, estes números não incluem as 54 mil seringas de insulina 1ml, devolvidas da província de Gaza, cujo valor não foi revelado. O armazém 2 apenas continha material fora de uso, nomeadamente Folhetos (780.300), normas de tratamento de malária (10.101) e Placas de Propopleno (19 volumes). Não foram quantificados os valores dos artigos deste armazém.
Por seu turno, do Armazém 3 vão, ou já foram, à incineração produtos avaliados em 201.168,57 MT (duzentos e um mil e cento e sessenta e oito meticais e cinquenta e sete centavos). Ao nível do armazém 3, há a registar o abate de 5600 tubos endotraqueais nº 7 e 7, avaliados em 142.3 mil meticais. Nas mesmas circunstâncias, foram retirados seda 3/0 triang de 26 mm (6.864 meticais) e 1600 máscaras nebulizadoras para adultos (51.9 mil meticais). No geral, o material fora do prazo nos armazéns 1 e 3 está avaliado em 19.101.916, 15 MT (dezanove milhões e cento e um mil e novecentos e dezasseis meticais e quinze centavos).
O CIP afirma que a existência de produtos fora do prazo e em desuso no armazém do Centro de Abastecimento, em Maputo, é um claro indício de que os processos de planificação e distribuição de artigos ou materiais sanitários são deficientes, o que gera sempre crises de ruptura de stocks nos hospitais e Centros de saúde, nas províncias e nos distritos.
“Um dos indicadores dessa realidade é o mapa do material devolvido pelas províncias. Ao nível da Direcção Nacional da Assistência Médica, apenas o Hospital Central de Maputo e a Direcção provincial de Saúde de Nampula é que não conseguiram usar todos os materiais dentro dos prazos estabelecidos. Por isso, esses devolveram 398 rolos de esterilização 300 mm X 50 m, respectivamente, números ínfimos quando comparados aos que expiraram os prazos nos armazéns. Igualmente, o Hospital Central de Maputo devolveu também 1098 rolos de esterilização 250mm X 50m. Por seu turno, a Direcção provincial de Saúde de Gaza devolveu 54 mil seringas de insulina 1ml”, avança a organização.
A organização diz ainda que, não há outra província que tenha devolvido material que previamente tivesse sido enviado, sinal de todos os artigos foram esgotados, enquanto a nível central estavam a expirar os prazos. Igualmente, não se conseguiu retirar as seringas de insulina da província de Gaza para outras províncias, o que fez com que ficassem com prazos expirados. Isso só é possível em contextos de um sistema de planificação e distribuição deficiente, aliado à negligência e impunidade dos responsáveis desses sectores.
O outro indicador, segundo o CIP é que existem 780.300 folhetos impressos, 10.101 normas de tratamento de malária e 19 volumes de placas propopleno que perderam o uso nos armazéns, o que sugere duas interpretações. A primeira é de que o MISAU imprimiu documentos sem ter o universo de beneficiários dos mesmos; a segunda é de que se o MISAU tinha o universo de beneficiários, então houve uma distribuição deficiente dos documentos.
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