O Hospital Provincial de Lichinga acolhe desde o dia 5 até 15 de setembro, a Missão Provincial de Formação e Tratamento de Fístula Obstétrica e Reconstrução Pélvica. A missão é organizada pela Focus Fístula e o Ministério da Saúde (MISAU), em colaboração com os Serviços Provinciais de Saúde de Niassa e o Hospital Provincial de Lichinga com objectivo de contribuir para a melhoria da saúde da mulher, restaurar a sua integridade e dignidade através do tratamento cirúrgico especializado e gratuito.
Desde o início da campanha já foram alistadas mais de 100 mulheres com idades que variam entre 15 e 62 anos, provenientes dos distritos de Mandimba, Sanga, Muembe, Lago, Metarica, Lichinga, Maua, Nipepe, Ngauma, Chimbonila, Marrupa e Majune.
Segundo o cirurgião Igor Vaz que chefia a missão, o trabalho está a decorrer a um bom ritmo, no entanto muitos dos casos encontrados são delicados.
“A campanha está a correr bastante bem. Nós estávamos à espera de 25 a 30 casos que seriam simples, selecionados aqui na província do Niassa que também serviriam para a formação e avaliação do pessoal técnico, contudo já apareceram mais de 100 mulheres e quase todas com situações complicadas. Isso tem retardado o nosso ritmo de trabalho. Mas esperamos pelo menos chegar a 40 porcento da meta. Se conseguirmos chegar a 30 ou 35 doentes é um sucesso”, disse o médico.
As sessões de cirurgia estão a decorrer no Bloco Operatório Hospital Provincial de Lichinga (HPL), conta com médicos nacionais entre urologistas, gineco obstetra, técnicos de cirurgia, técnicos de saúde, enfermeiros e estudantes de especialização.
A missão, conta ainda com um experiente médico nigeriano, Sunday Legnman, cirurgião de fístula que a convite da Focus Fístula também está a ajudar no tratamento das doentes e a partilhar a sua experiência no tratamento da doença com o pessoal da saúde que trata da fístula obstétrica na província do Niassa.
“A maioria das fístulas que vimos durante esta missão são complicadas. Algumas das fístulas mais complicadas observadas já foram operadas diversas vezes e podem necessitar de cuidados adicionais. Portanto, há necessidade de formar médicos altamente especializados para lidar com esse tipo de fístula. Médicos competentes precisam continuar a cuidar desses pacientes regularmente, não apenas durante missões como esta”, disse, tendo acrescentado que “é necessário implementar medidas de prevenção, pois é de longe melhor do que tratar”, disse.
As doentes dizem que contraíram a fístula durante o parto, perderam a crianças e os maridos as abandonaram devido a doença. Dizem estar cansadas da dor e sofrimento e lançam aos médicos o seu grito de socorro.
“Eu sou de Niassa, do distrito de Mandimba. Esta doença começou em 2014 no hospital de Malawi. Fui dar parto quando tinha 14 anos de idade. O parto foi cesariana. A criança morreu e eu fiquei com fístula. Meu marido fugiu e nenhum homem aceitou ficar comigo. Minhas amigas andam a me rir, dizem que eu já apodreci, não tenho filhos. Já procurei medicamentos tradicionais, mas não resolveu. Assim eu estou a lamentar e a pedir socorro”, disse uma das pacientes.
Outra doente que aguarda o tratamento é proveniente do distrito de Chimbonila, que durante a gravidez sofria agressões físicas do parceiro.
“Este problema começou em janeiro deste ano. Tive parto a cesariana, mas ainda assim perdi a criança e contraí fístula. Informei aos meus pais e eles me disseram para ir ao hospital. Desde que tenho a doença só fico em casa com os meus pais e meus irmãos. O meu marido me fugiu por causa desta doença. Ele disse que não me quer por causa deste problema e foi arranjar outra mulher” disse a jovem de 24 anos que também foi vítima de agressões físicas do parceiro durante o período da gravidez.
“Quando ando as pessoas dizem que eu sou uma doente e falam mal de mim. Eu fico muito triste. Eu quero ficar bem”, acrescentou.
A missão de tratamento decorre no âmbito da implementação da Estratégia e Programa Nacional de Prevenção e Tratamento da Fístula Obstétrica e dos esforços conjuntos para a eliminação da fístula obstétrica até 2030. Em Moçambique, estima-se que cerca de dois mil e quinhentos novos casos de fístula obstétrica são registrados anualmente.
Fístula obstétrica é uma abertura anormal entre o trato genital da mulher e seu trato urinário ou recto, causado por trabalho de parto arrastado e obstruído sem acesso a cuidados médicos imediatos e de qualidade. A fístula obstétrica pode ser prevenida, através do acesso a cuidados obstétricos de emergência, e acompanhamento pré-natal e de parto seguro.
A missão conta com a parceria e financiamento da USAID/Momentum e Engenderhealth, e apoio da Fístula Foundation, Direct Relief e das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
Comenta com teu facebook